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Almejo futuros com menos heroínas

Almejo futuros com menos heroínas
Isa Meirelles
mar. 10 - 4 min de leitura
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Como o privilégio de ter sido criada com consciência coletiva me faz enxergar as mulheres invisíveis

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Estou prestes a escrever algumas palavras polêmicas. Porque nadam contra a maré das #GirlPower #GirlBoss #TheFutureIsFemale. Porque eu não desejo um futuro feminino, não acredito na força das heroínas e creio que precisamos enxergar muito além dessas hashtags....

E espero ser respeitada por isso.

Nos últimos dias, na organização de atividades para o Dia Internacional da Mulher, no trabalho e no coletivo, fui estapeada, atropelada, machucada  por outras mulheres cegas pelos efeitos dos machismos sofridos em suas histórias. Eu nunca sofri dessa dor então me retiro o direito de julgá-las. Ponto final.

Mas me sinto na obrigação de lembrar da presença, da existência, mesmo que invisível, das outras. Mulheres invisíveis. Outras que não conseguem acessar os espaços de trabalho. Outras que sobrevivem nas ruas, com suas crianças sem perspectivas. Sem a oportunidade de escolher o que vestir, se vestir. Mulheres que sangram, sem rampas para acessar as cidades, olhos para presenciar o assédio. Acessos e oportunidades de existir com dignidade. Que sequer são enxergadas como mulheres.

Sou filha de assistente social que desde menina convive com as mazelas de pessoas com deficiência, moradoras das ruas. É sobre esse olhar que eu enxergo a realidade de gênero. Pelo mesmo olhar que atravessa meu nascimento como uma criança com deficiência aos olhos dos outros. Que nasceu praticamente cega e que vive mais próxima da cegueira do que da vidência. É dessa perspectiva que me posiciono e que não anula nenhuma outra.

Sim, é urgente equiparar salários de homens e mulheres, já que eles ganham, em média, 20,5% a mais que nós (PNAD, 2018). Também precisamos de mais líderes na administração pública, pois somos apenas 12% das líderes nas cidades brasileiras (Folha de São Paulo, 2019) e 13% como presidentes nas organizações (Pesquisa Panorama Mulher, 2019). Caminhamos juntas pelas revoluções de gênero em diferentes esferas sociais.

Mas não são as #GirlPower que farão essa revolução.

Desculpa, mas não precisamos de mais heroínas. Histórias individuais de superação, força e garra para nos mostrar que, sim, é possível chegar lá. Como os homens fizeram. Ou nós queremos repetir a narrativa masculina que oprime a todos(as) nós? Queremos mesmo estabelecer a equidade ressaltando os mesmo atributos que eles? Poder, força, dinheiro…

Heroína anda sozinha, sofre, supera suas dores, desperta seus poderes e salva o mundo para provar a si mesma que é capaz. É singular, única, destaque e ego.

Líderes andam em grupo, em coletivos, enxergam além das suas dores, sofrem junto e buscam diariamente soluções para as outras. Não estão à procura de redenção, reconhecimento por grandes feitos, sua evolução advém do reconhecimento da dor da outra. É sempre plural. Líder é quem torna as outras visíveis.

Impossível não jogar a luz para as invisíveis mulheres com deficiência, é minha causa maior de vida. Muitas não são nem reconhecidas como mulheres, comparadas a anjos, sem sexo, incapazes de serem enxergadas como corpos femininos. Muitas não têm acesso às ruas, impedidas de chegar ao trabalho, quanto mais galgar uma posição de liderança. Impossível não falar das mulheres que cuidam, dedicam suas vidas pelas outras. Impossível não enxergar essas mulheres invisíveis.

Somos muitas, plurais, machucadas por inúmeras injustiças, assédios, estupros. Mas estamos juntas, não para igualar nossas narrativas às masculinas. Não para demonstrar que podemos ser o que quisermos (não, não podemos). Estamos envolvidas por múltiplos fatores, controláveis por nós e não, que nos transformam em quem somos e no que desejamos para o futuro.

E nesse futuro, visualizo menos invisibilidades. Vejo coletivos se formando além de indivíduos. Heroínas se metamorfoseando em líderes… E o mais curioso de tudo, não vejo mais mulheres e nem homens. Saímos juntas desse labirinto de dualismos que nos limita, temos a possibilidade emancipatória de decidir quem somos, além dos limites de gênero.

Parafraseando Donna Haraway, almejo futuros com mais ciborgues e menos deusas.

Que neste dia 8 de março, enxerguemos as mulheres invisíveis.

#TheFutureIsAgender #Genderless #Acessibilidade #Ciborgue #MulheresInvisveis #MulheresPossiveis


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